Refúgio confuso



Quando me lembra: esse sabor que tinha 
A tua boca… o eco dos teus passos…  
O teu riso de fonte… os teus abraços…  
Os teus beijos... a tua mão na minha…  
Florbela Espanca, in "Charneca em Flor"   


REC.

-A câmera ligou.

Entre mil e uma, no final, cenas cortadas, vejo seu sorriso em mil delas e entrelinhas chamativas nossos abraços mais amorosos. Os beijos atrapalhados deixam de ser vergonhosos quando me pego vendo-os mais de uma vez.
O silêncio é durável em meio aos segundos e obrigo-me a concordar sem falar nada ao ver isso acontecer, não sabendo mais se esse vídeo será postado ou não.
Não foi nessa gravação exata que percebi que te amo, pois digo isso a anos e não foi nesse dia em que me vi preparado e confiante ao seu lado, mas vi muito mais do serei capaz de explicar.
Nosso feat começou a mais de três anos e vejo eu que desde então, o principal vídeo chamado Mattiel não acabou.
Jamais poderei parar com isso. Te amar, me amar e me orgulhar do que construímos com um esforço que ninguém soube definir a não ser, luta.
Ouvir sua voz soar seus medos, suas tristezas me faz querer protegê-lo, mas antes chorar.
Meu coração acelera e as gotas salgadas de chuva se encontram em meus olhos terra, fazendo uma raiz nascer dentro de mim.
Quanto mais eu penso mais vejo que não sei lidar, sentindo meu corpo inquieto e meu olhar perdido no horizonte a procura do seu que agora está fixado na câmera a nossa frente.
Os sussurros apaixonados jamais cessaram e a vontade de te abraçar me faz ainda sofrer, vendo que talvez, eu estivesse exagerando.
As ‘’tonguises’’ minhas, fizeram-te ficar nervoso antes que sua mãe chegasse no quarto e seu medo se alargasse.
A mala significava muito mais do que simples roupas amontoadas e uma leve suspeita de fuga que hoje me fazem fechar os olhos e respirar fundo, suportando as lágrimas em meu rosto.
Hoje te vi, de modo completamente diferente, falar a mesma coisa que sua mãe.

-Para com isso…

-Devolve essas lágrimas.

Tudo ainda vale a pena sabendo que suas mãos se entrelaçarão com as minhas e seu olhar não será o único a mostrar que quer algo a mais que amizade.
Em você vi minha fortaleza, minha força, meu refúgio.
De todas as coisas que um dia eu pensei que perderia, jamais quis que fosse você.
De todas as coisas pela qual lutei, você esteve junto.

O silêncio já não é mais perturbador pois sei que no meu lado, naquela cama bagunçada, estará você para não me dar uma boa noite falado ou um beijo brigado.
Uma força inexplicável me fez querer gritar, tendo como resposta, você dito como meu namorado.
Eu jamais vá entender como ou porque, mas com certeza, te darei mil e um beijos como obrigado.

E no meio disso tudo, sentir seu braço passando por cima dos meus ombros e, por fim, entrelaçando minha mão na sua já se tornou mais uma de nossas manias, fazendo você se encaixar tão bem em meu corpo que te ama – manias que no fim da tarde alaranjada se tornam cenários lindos para um filme cult que provavelmente eu assistiria mil vezes contigo.
Os passos acompanham um ritmo que ambos conhecemos como um cansaço não real, apenas para ficarmos ali sem chegar a um lugar certo, apenas eu e você em meio a tantos que não sabem quem somos.
O silêncio do motor dos carros, dos gritos abafados pelos
murmúrios daqueles que seguem um caminho desconhecido é substituído pelas nossas palavras que nunca nos fazem chegar a uma conclusão – ou fazem e não percebemos – deixando uma brecha para que logo a conversa continue em outro lugar cheio das mesmas pessoas que provavelmente não dançam quando a sua música favorita começa a tocar em algum lugar ou no fone conectado ao celular.
Nossos olhares ao longo dos minutos se encontram, fazendo-me viajar mais uma vez, tal beleza mais conhecida nas noites que – por mais frio que digam que está – me fazem sentir calor.
Em pouco tempo ouço a porta ser destrancada e em seguida um suspiro seu, talvez de
alívio ou causado por um estresse ainda não contado para mim, então logo te olho, tentando não parecer um clichê apaixonado ao querer mais uma vez, te abraçar.
Esse é mais um dia
que enquanto o tempo passa, colocando a vida diante de nossos olhos, os meus ainda se encontram perdidos em sua órbita cansada, castanha e parecendo estar perdida em meu universo também.
O esquecimento é inevitável – e bom – ainda mais quando lutamos para esquecer as coisas ruins que um dia ameaçaram tocar sua pele, fazendo-te querer lutar contra aqueles considerados iguais a nós.
Deixamos a cama bagunçada embaixo dos nossos corpos mesmo sabendo que talvez ela continue assim até o que dia que vem, trazendo uma futura lembrança dos pequenos gestos que logo fizeram com que eu
adormecesse  daquele jeito, sem uma boa noite dito em palavras faladas, ou um beijo em forma de uma boa noite – lembrança que já me trazia paz antes de amanhecer barulhento.

E mesmo do nada, quando eu menos espero, você me faz sorrir novamente revelando uma paixão que nunca foi escondida para ambos de nós.
Entre tantos você prefere prender sua atenção em mim, me desconcertando em
pouquíssimos segundos necessários para que eu consiga finalmente reagir de modo coerente, fazendo o sufoco sumir ao sentir suas mãos tirarem aquele maldito obstáculo de tecido do meu pescoço já encaixado perfeitamente no seu rosto, sua boca ainda me beija intensamente mesmo sabendo que no fim estaremos ambos ofegantes em meio aos lençóis amassados.
A
lembrança de ser mais um adolescente perdido entre tantas ideias de como te pedir em namoro me traz a cena de um dos nossos primeiros vídeos, respondendo perguntas tão afirmativas que me fizeram pensar se um dia eu ainda estaria aqui, ao meu lado.
A
câmera ainda é a única prova que as dez mil pessoas terão do meu amor por você Mas você, provavelmente todo dia, já se convenceu após ver tantas outras em meio ao nosso cotidiano considerado simples.
Palavras que eu nunca tinha ouvido sair de sua boca me fazem retomar o único estado que só acaba quando nos tocamos novamente, sem se importar com nada além da música de fundo.
Penso que estar podendo-lhe chamar de namorado não apenas hoje, mas sim, todos os mais de mil dias que sim, podia dizer que também te amo, já me fizeram perguntar se merecia tal amor, mostrando-me suas provas mais simples e as que deixam meu coração ainda mais acelerado antes que a noite acabe, como uma resposta inesperada porém que me faz sorrir sem ao menos perceber, criando não só uma vontade mas a decisão de te abraçar ou te beijar mais uma vez.
É nesses momentos em que o meu querer se torna um sonho real, quase como aqueles que pensei que nunca realizaria, transformando-me em uma princesa perdida a um guerreiro machucado.... A procura de você, que normalmente está a dormir ao meu lado sem perceber meus movimentos pouco agitados e minhas mãos mais firmes ao seu redor sem que me deixe imaginar o amanhã cotidiano com gestos incrivelmente capazes de me desconsertar sem você saber.
-Eu nasci de novo.

E agora, sem motores ou fumaças, pessoas em volta e ruas imundas, eu me vejo passando meu braço, e no fim, entrelaçando muito mais que nossas mãos inquietas e já automaticamente, perfeitamente encaixável na outra.

-Vejo que a câmera desligou.

E nos suspiros e sussurros, o meu amor.



Tentativa de texto | Viclst


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