Liberdade


Liberdade

Na frente do notebook ele já perderá a noção de tempo que perdeu apenas a encarar a tela branca do aplicativo de notas aberto. Já apagará e recomeçará seu conto diversas vezes e sempre nesse mesmo ciclo ridículo causado para uma falta de criatividade.

Esticando seu pescoço em direção a janela ao seu lado sentiu que a sua vida passou demasiado devagar nesses últimos meses e cada vez mais carregar um cansaço que não deveria pertencer ao seu corpo jovem e mente, quase, sã.
Quando se permitiu pensar em outra coisa que não fosse o maldito texto que deveria fazer e entregar em poucas horas, sentiu uma lágrima cair nas bolsas de seus olhos e rastejar pelo seu rosto pálido e triste.
A limpando depressa, mesmo que ninguém a fosse ver, se levantou, precisava arejar. Então foi até a sala.
A pandemia atingiu cerca de dois milhões de pessoas no mundo inteiro, somando os casos já morreram…” - Dizia uma mulher na TV antes dela ser desligada e a única coisa que restou no apartamento foi o suspiro do homem cansado com tudo aquilo.
Esquecerá quantas vezes perdeu a paciência e desejou jogar tudo pelos ares, até mesmo o pingo de sanidade que ainda restava dentro de si e pedir aos deuses que tudo aquilo acabasse de uma vez por todas. Nem que isso indicasse seu coração parasse.
Aquilo já não importava pra ele. De que restava permanecer vivo e preso como um pássaro em sua gaiola? Não adianta gritar, ou cantar, ninguém ouviria. E se fora daquelas quatro paredes não podia ser ele mesmo, livre, do que realmente adiantava seus olhos abrirem todo dia e antes mesmo de acordar já suspirar a desejar que a noite chegasse.

O silêncio ganhará voz no vigésimo dia que se viu fazendo a mesma coisa, no mesmo horário e sempre lembrando que não poderia fazer nada além disso pelas próximas incontáveis semanas.
No sofá a solidão se sentou em uma visita, sorriu e olhou. No seu quarto o amor rasgou os lençóis e se jogou da janela. E por fim, na cozinha a tristeza permaneceu a olhar para dentro da geladeira e não encontrar nada que lhe interessasse.

Seu celular não recebia mensagens, ligações e sequer uma cobrança de uma caixa postal não ouvida. Não tinha a quem recorrer nesses monótonos dias que sentiu a dor atingir suas costas e a inutilidade martelar sua cabeça sem piedade.

Se sentia sozinho. Estava sozinho.
Sua única companhia era o bloco de notas ainda aberto e sem conteúdo algum para preencher o vazio que o escritor tinha em seu coração partido.
Faltava heróis para salvá-lo daquela torre de pressão, necessitava de plebeus para servi-lo após as guerras e não tinha realeza que se apaixonasse por ele naquele momento.
Estava acabado.

Antes mesmo que ele percebesse, o conto havia sido terminado. Assim como o dia.
Tudo com um pingo de falsa alegria que carregará em um sorriso para o vizinho em um momento que abriu a porta para pegar as cartas e o viu. Velho e rabugento.

Ele sabia que seria assim um dia e sorria pra essa ideia desgraçada de uma vida solitária e vadia.
Ele já a tinha em suas mãos e hora ou outra a jogava pelos ares junto com sua sanidade. Não tinha quem reclamar de seus gritos, chutes, socos e lágrimas.

O prazo de isolamento que iria até hoje se estenderá até segunda ordem…” - Maldita seja aquela caixa de sinal remoto.

Na frente do notebook ele já perderá a noção de tempo que perdeu apenas a encarar a tela branca do aplicativo de notas aberto. Já apagará e recomeçará seu conto diversas vezes e sempre nesse mesmo ciclo ridículo causado para uma falta de criatividade.

Agora seu pescoço doía, as lágrimas cessavam, os gritos eram abafados e o seu coração já havia parado.

Liberdade. – Murmurou antes de ouvir a lâmina cair e se quebrar no chão no banheiro onde a morte olhava pra aquilo a dar gargalhadas. Estendendo sua mão, acariciou o rosto pálido e o abraçou antes que o sangue manchasse sua capa preta e se juntasse a manchas já secas pelo tempo.

Liberdade.” – Dirá ela antes de partir.

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