Trinco
Trinco
Tom quando acordou esperou que tudo tivesse enfim se resolvido da melhor maneira. Que o mundo em volta tivesse parado de girar tão rápido, que as pessoas tivessem conhecido a bondade em si, que o dia fosse mais longe. Mas Tom acordou as nove da noite.
Em um suspiro sentiu os protestos de seu corpo ao notar que errara e com isso teria que novamente conversar apenas com a companhia das estrelas, que de longe choravam por não poder lhe dizer que estava a cometer erros demais.
Com um cigarro já pela metade em uma de suas mãos e um café sem açúcar na outra, pediu a qualquer Deus que mandasse um sinal, algo claro o suficiente para dizer estava no caminho certo. Se ao menos tivera feito algo descente ao partir e deixar apenas uma carta.
Sozinho, naquele hotel meia estrela e meia boca em uma praia qualquer, viu a noite ser substituída pelo dia e tudo recomeçar. O sono bater, a esperança escassear, a saudade bater e o fazer lembrar do que partira indo pela sombra dos alheios.
Em sua mochila, que pegou ao sair de seu quarto alugado, tinha uma muda de roupa, um relógio quebrado e duas outras coisas. A chave de uma casa que não era sua e a lembrança triste daquele beijo que já não teria mais.
Na carta disse que voltaria um dia.
Talvez quando as letras de música em seu bloco de notas fizessem sentido ou quando recebesse um pedido, as pressas, que voltasse e esquecesse aquela loucura de procurar sentido em coisas que necessitam de mais do que a crença de que sozinho achará a resposta pra tudo. - Tom sabia que ele diria isso.
Em algum lugar de Porto Alegre Júlio lera a carta, chorara o suficiente para sentir seu peito doer. A necessidade de fazer outra cópia da chave pouco importava naquele instante que resolvera rasgar o papel em pequenos pedaços, o jogando no lixo assim como a esperança de que aquilo fosse verdade.
Quantas vezes já ouvira Tom dizer que seu desejo era se espalhar pelo mundo a procura de algo que desse significado aos seus atos mais incongruentes. Tantas vezes que acordou e viu que Tom não estava ali, e quando encontrou parecia perdido em seu próprio pensamento. Em uma noite, acordara e no lugar do músico havia uma carta. Apenas.
Ele não voltaria. - Júlio sabia que ele pensava isso.
E lá no fundo, apesar de desejar o contrário, não encontrara motivos para fazer Tom voltar e esquecer aquela loucura de procurar sentido em coisas que necessitam mais do que uma mente perdida e um corpo jovem capaz de tudo pra provar que estava certo.
“Foi encontrado o corpo de um jovem em um hotel em MariLuz, sem documentos, ele...” alegou o noticiário antes de ser desligado.
Júlio odiava a TV ligada sem motivo, e Tom sabia disso.
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